Com vocês, Arthur Veríssimo!!!

Expoente máximo do jornalismo religioso e de espiritualidade concede entrevista ao blog Corpo São Mente Sã

Cada ser humano tem o seu valor, a sua preciosidade e a sua função. A do jornalista Arthur Veríssimo parece ser a de apresentar a fé, os seus inúmeros significados, as diversas religiões, seus cultos e rituais e o sincretismo religioso. Um material vasto que Arthur vem registrando e deixando como legado há mais ou menos três décadas em reportagens publicadas na revista Trip, em inúmeros programas televisivos – como o Na Fé, no Discovery Channel, uma série que fez, em 2013, com nove episódios sobre manifestações religiosas e transes coletivos na América Latina – e nos dois livros que publicou. Em Karma Pop (ed. Master Books) é possível conhecer a Índia e suas religiões, como o hinduísmo, budismo e jainismo, por meio de textos e fotos belíssimas – e chocantes.

Em especial, o carismático jornalista, grande estudioso e pesquisador, mostra o Khumba Mela, simplesmente o festival religioso mais antigo da humanidade que chega a reunir cerca de 80 milhões de pessoas. Já em Gonzo! (ed. Realejo Livros), uma compilação de 30 reportagens publicadas na revista Trip, é possível conhecer ainda mais sobre o Oriente Médio, a América, as procissões no Brasil, costumes de tribos indígenas, cultos afro-brasileiros, manifestações religiosas pelos Andes, África, Madagascar, Índia, xamanismo, budismo, …

A impressão que se tem é que conhece este mundo do avesso. Já esteve com gurus, pais de santo, xamãs, padres, tulkus, lamas, sacerdotes… Algo intrínseco do jornalista – que também se define como um peregrino e livre pensador – é fazer o chamado jornalismo gonzo, em que o jornalista se insere na cena, experiencia o fato. Com 18 anos foi viver na Califórnia numa comunidade do Osho, já esteve com Dalai Lama mais de dez vezes. É destemido, isento de julgamento, respeita e acolhe cada manifestação religiosa. Nesta entrevista, ele, hoje com 59 anos, fala sobre as suas andanças, a importância da meditação, da ioga, da leitura e em não sermos monoculturais.

Arthur, você já foi à Índia 22 vezes. Por que tantas vezes?

Foi uma obsessão. Tudo começou assim: eu nasci no Rio de Janeiro, mas pequeno vim morar em São Paulo. Morava no bairro do Brooklin/Santo Amaro. Sou filho de mãe acreana e pai pernambucano. Papai era ator, mamãe, jogadora de futebol, goleira, era uma mulher do tipo Leila Diniz. Ela tinha 500 alunas de ginástica rítmica no clube Banespa e dava aula de ioga. Ela descobriu a ioga pelos livretinhos do Caio Miranda, pré Hermógenes. E eu era atleta, jogava futebol, basquete, fui vice-campeão duas vezes de esgrima, tinha uma vida super legal.

Meu pai era um literato, tinha livros incríveis e tinha toda a coleção da revista Planeta, que começou a ser editada no início dos anos 1970 (a Planeta foi uma versão brasileira da Planète, fundada em 1963 pelos franceses Louis Pauwels e Jacques Bergier, autores do clássico “O Despertar dos Mágicos“. Essa publicação tratava de temas, como realismo fantástico, cultos religiosos e espiritualidade). Depois, eu vim a conhecer tudinho desse universo. Eu fazia as minhas atividades e lia essas coisas em paralelo. Um dia, numa andada pelo bairro, eu entrei numa livraria e ‘pá’, um livro do Osho se destacou na minha frente, na época ele era conhecido por Bhagwan Shree Rajneesh.

Você tinha quantos anos?

Tinha 16 anos. Continuei o mesmo, curioso, mas descobri esse guru. Com 18 anos fui para a Califórnia numa comunidade dele. Os ensinamentos dele foram vitais na minha formação de buscador, expedicionário e me trouxe todo esse leque de conhecimento que se transformou em sabedoria das diversas linhas filosóficas, religiosas, trabalhos corporais, sufismo, hinduísmo, jainismo, budismo… E me deixou curioso e me levou ao interesse de conhecer todos os transes coletivos, festas religiosas, porém sempre embasado em conhecimentos, em leituras, num estudo antropológico, indo nas fontes. Lia de tudo, pesquisava as entrelinhas e ia para o local: em tribos indígenas, em festas religiosas, nos Andes, no Himalaia, pela África, Madagascar,..Mas é fundamental a leitura. A leitura enriquece. Foi o que me despertou o interesse por essas outras questões.

Quais outras?

De estar vivo, de estar presente. Essa história de meditação, de mindfulness ter explodido, isso é muito vital para as pessoas, principalmente para as crianças absorverem essa questão do silêncio. O Prem Baba, que é uma figura que está na mídia, coloca isso muito bem: as pessoas têm que meditar. Ninguém descobriu a eureka, mas é importante dar visibilidade a essas questões que movimentam a nossa eletricidade, a nossa vitalidade, a nossa energia vital. Não é só a prática da ioga, a ioga é fundamental. Eu digo para todo mundo: “vá fazer ioga”. Eu faço uma ioga chamada ashtanga há mais de 20 anos e sempre dou umas machucadas. Mas por que eu continuo? Porque ela nos leva a fazer exercícios respiratórios. Meditação, exercícios respiratórios devem estar em todas as escolas, ambientes de trabalho, universidades, … Igual muçulmano faz: dá uma paradinha no dia deles, fazem sua reverência, fazem a sua reza. Basta ir para qualquer local do Oriente Médio, eles dão um break, pausa para conectar. Isso é fundamental a gente fazer. O bom é estar sempre conectado, né?

Você consegue?

É um exercício diário.

O que faz parte das suas práticas diárias?

Quando estou em São Paulo, pratico ioga três vezes por semana, aí é paulera mesmo. O grande lance é: depois da exaustão, respirando pela garganta, tendo consciências dos bandas (os cadeados energéticos), aí a gente começa a ter uma consciência!

O que é para você estar consciente?

É no dia a dia, é nas pequenas coisas, isso eu aprendi. Todo mundo fala: o fulano é iluminado, o outro vive numa plataforma mais elevada do espírito. E nós somos aqui os seres urbanos. Nós temos pequenos momentos ao longo do dia de extremo prazer, de extremo bem-estar, de felicidade encaixada, de acordo com o limite da nossa ignorância. Daí você faz uma reflexão e une todos esses pequenos prazeres, o que é que dá? Um PRAZERSÃOOOOO. Isso é que é a autenticidade da vida. Lógico que tem muitas coisas que a gente tem que engolir ao longo do dia porque não se encaixa, tem as questões emocionais, emprego, casamento, … Essas são coisas que são sobrecargas para o ser humano.

Você tem conhecimento e conheceu de perto, experimentando, festivais, rituais, cultos, ou seja, você não é nada monotemático. O que se ganha sendo tão plural?

Muita gente quer pasteurizar a beleza do pensamento humano, de devanear e esquece das tradições gregas, os egípcias, os romanas, de todos os grandes pensadores. Eu tenho um hábito antigo que é a leitura, eu sou fascinado, eu me desprendo fazendo uma boa leitura, é um facilitador, é um estado alterado de consciência. Quando você está dentro de si você está elaborando, tramando histórias, é isso que é fascinante na vida, ter possibilidades. Estado alterado de consciência não é só tomando doses massivas de café, ou fumando um bom beque, ou tomando ayawasca, em São Pedro, ou fazendo uma profunda meditação. Ok, isso leva a estados alterados, mas numa caminhada – porque você começa a respirar, a corrente sanguínea começa a borbulhar – acontece uma miríade de histórias, de pequenitos prazeres. Andar de bicicleta é um estado meditativo inacreditável ainda mais no trânsito urbano. Isso é atenção plena. Eu estou na minha prática de ioga, eu adoro caminhar.

O que mudou em você depois de ter participado de tantos festivais, cultos religiosos e ter estudado tanto sobre o assunto?

Eu não vou montar igreja e nem nenhuma seita hahahaha. Sou uma pessoa realizada. Tenho três filhos– João, de 24 anos, Vitória com 14 anos e o Pedro, 9 e o João deu a volta na montanha Kaylash comigo. Esse foi o presente que eu dei a ele, eu não dei um carro, não mandei ele para Miami e nem para Nova Iorque. Ele disse: “Pai, eu quero fazer uma jornada espiritual com você”. Nós fomos em 2014, no ano do cavalo de madeira, naquele ano cada volta equivalia a 12 anos. O Kailash é o meu coração (o monte Kailash é uma montanha do Tibete, considerada o lugar mais sagrado para os hindus, budistas, jainistas e bompos). As religiões surgiram, o Kailash já está lá há 65 milhões de anos. E as religiões vieram depois e transformaram o Kailash como sendo o santuário supremo, que é a morada de Xiva (um dos principais deuses do hinduísmo), de Parvati (deusa hindu, a segunda consorte de Shiva), é ali onde estão todos os gurus, …

No seu livro Gonzo há diversos capítulos que revelam os mais diferentes tipos de rituais religiosos e muitos deles com as pessoas se autoflagelando, como o da Tailândia, ou num transe coletivo assustador, como o vudu no Haiti. Impressiona a maneira como você se abre diante dessas cerimônias sem julgamento, com muito respeito. Como abrir o coração e a mente para não julgar?

É ir nas entranhas mesmo. Eu sou um peregrino e um livre pensador. Eu gosto de uma adrenalina. Quando a história acontece é porque eu estou de coração aberto, não é porque eu estou com o coração infantiloide. As pessoas veem uma manifestação, um fenômeno e ficam: Ohhhh!!! O inesperado tem uma longa preparação. Esse é o meu mantra. A gente trabalha tanto em tantas diversas questões. As coisas se manifestam depois de você ter provado e ter se colocado. Ao longo da vida, eu clipei diversas situações de grupos de seres humanos, de festas religiosas… Eu pude circular nas datas auspiciosas e nas datas nefastas, chegando in loco. Igual o Ciro de Nazaré, em Belém. Uma festa popular brasileira, que mescla o sagrado e o profano, e eu fui para a corda. Fiquei uma hora e meia segurando a corda, eu sou alto, e às vezes ia para o espaço na corda. Mas têm situações que não dá.

Você não teme pela sua vida?

É o cordão umbilical com o divino. Daí, depois, procuro me restaurar, ficar muito no silêncio.

O que mais te tocou nas festas religiosas?

Essas coisas são incríveis porque você entra nessa droga coletiva que é o coletivo. Émile Durkheim, o sociólogo francês, no século 19, cunhou a expressão fascinante “efervescência coletiva’, que emana nesses encontros e multidões. É uma energia potencializada, uma impressão que o todo é maior do que a soma das partes. Isso é incrível, não é? Então, as multidões têm uma influência positiva sobre todos os aspectos, saúde, vitalidade, prosperidade, alegria … E os efeitos benéficos perduram por semanas, meses e anos. A mensagem é: ama o teu próximo, pois teu próximo impelirá coisas maiores. Isso é divino!

Em 2013, eu conheci alguns psicólogos e antropólogos e eles estavam fazendo um estudo na universidade de Saint Andrews, no Reino Unido, e fizeram um trabalho muito bacana para a National Geographic dizendo que essas festas religiosas, não só as festas religiosas, mas comício político, jogos de futebol, shows de música, levantam as pessoas para uma outra plataforma. E nesses ambientes exercem uma radioatividade de cura. A pessoa não vai na igreja, na sinagoga para receber a palavra? Então, as festas religiosas são isso. Impera no Ocidente a ideia de que as pessoas quando se congregam perdem a sua identidade individual. As multidões são incompreendidas. A história é bem outra. Na verdade, nos ajuda a formar a noção de quem somos e de construir as relações com os outros. E até determinar o nosso bem-estar físico.

Sobre essas procissões e festivais que você participou: me dá uma impressão que as pessoas estão procurando por Deus, fora. Pagar promessa, se auto punir, onde está Deus para esse povo?

Mas isso são as etapas no caminho de cada pessoa, step by step. Tem alguns que dão um salto maior, têm um esclarecimento melhor. Por isso que as religiões estão aí: para auxiliar as pessoas até um momento, depois a religião é você mesmo.

Arthur Veríssimo é jornalista, radialista, apresentador, palestrante, roteirista, produtor e fotógrafo em diversos meios de comunicação. Uma das figuras mais importantes do jornalismo que trata de diversidade cultural e religiosa. Atualmente, escreve semanalmente suas aventuras e expedições no portal Vírgula, apresenta toda terça-feira, na Kiss FM o PG Rock, sobre cultura e curiosidade. Está no ar, no canal mais Globosat, a  série Bendita Marvada em que apresenta treze episódios sobre o universo da cachaça.  Recebeu no ano passado o prêmio Comunique-se – o Oscar do jornalismo brasileiro – na categoria Cultura. Edita também a revista Tá Suave, que trata sobre a cannabis sativa, seu uso medicinal, recreativo, legalização, negócios e cultura.

No passado, trabalhou como repórter especial nos programas do Ratinho e Gugu Liberato, no SBT, de 1998 a 2002, revelando suas viagens pelo planeta; no Planeta Estranho do Domingo Espetacular, da TV Record, em 2006, quando mostrava parte de suas vivências na Índia e outras regiões da Ásia.

PARA SABER MAIS:

Palestra no TED: https://www.youtube.com/watch?v=_4d2ZSn_HNo

Séries Na Fé, do Discovery Channel: no You Tube.

CONTATO: @verissimoarthur

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para o topo