Holly como resposta à opressão

Como uma vida cerceada de liberdade pode levar à raiva e indignação

Raiva como resposta

Ao abordar os 19 Complementares, o terceiro grupo de florais descobertos pelo Dr. Bach, Julian Barnard diz em seu livro Forma & Função que os estados relacionados a essas essências são respostas emocionais a eventos traumáticos. Nesse conto sobre uma mulher chamada Catarina, não apenas se narra uma história de resistência e adaptação, mas também as lutas internas que se assemelham ao floral de Bach Holly, que trata da raiva e do amargor. A vida de Catarina reflete a batalha entre a liberdade desejada e as limitações da sociedade. Mas mesmo nesse contexto, a conexão emocional revela que até as histórias mais difíceis podem abrir espaço para a luz e a libertação.

Em meio ao bordar dos panos e ao calor das linhas que se entrelaçam, surge a narrativa de uma mulher forte e rebelde: Catarina. Através das estórias contadas por minha avó, entrelaçam-se memórias de um passado repleto de desafios e desejos não realizados. A figura de Catarina, impressa na tradição familiar, revela a luta contra as amarras de uma época que limitava as mulheres. Neste relato, não apenas ouvimos sobre uma vida, mas também somos convidados a refletir sobre a coragem, a resistência e a busca por liberdade. Assim, em um dia comum e repleto de significados, minha avó compartilha um legado que ecoa a luta de todas as mulheres que vieram antes de nós.

Vovó ornava panos com linhas candentes e me contava estórias. Não as de fadas. As reais, tecidas no divulgar dos dias, no ruminar das horas, no anoitecer das tardes. As recentes e as antigas, as que sangravam e as que presenteavam alegrias.

Era um desses dias, de estórias. Eu, sentada em banco apropriado ao meu tamanho, ouvidos e avidez a postos.

Contou-me que sua mãe, minha bisavó, se chamava Catarina. Nome que não remetia a boa coisa. Isso sim, lembrava russa sanguinária, megeras difíceis de serem domadas! História e literatura no nome da mãe de minha avó. Catarina, nascida no século dezenove era filha de pais rígidos, espanhóis de origem simples, rigorosos na educação, especialmente quando se tratava de meninas. Catarina fazia jus ao nome, muito brava, desde cedo mostrou que tinha opiniões e vontades. Tudo questionava. Queria aprender a ler, quando seus pais diziam que mulher que lesse, enchia a cabeça de vento! Queria andar pelos pastos, montar cavalo em pelo e era absolutamente proibida de andar sozinha, onde se viu mulher sair por aí desgarrada! Odiava bordados e trabalhos manuais, da cozinha enjoava! Dona Catarina era um espeto, segundo opiniões familiares. Em tempos como aqueles, porém, teve que se adaptar. Virou costureira e bordadeira, aprendeu a fazer quitandas. Tudo com perfeição, perfeição essa atingida com muita raiva, fervida em caldeirão, segundo suas próprias palavras. Só não abriu mão da leitura. Conseguiu consentimento para aprender a ler, após greve de fome, que ameaçou levar a consequências últimas. De forma que minha bisavó, lia muito, nas poucas horas vagas.

Quando completou 15 anos, linda menina, de cabelos negros e expressivos olhos verdes, foi comunicada que houvera sido prometida em casamento para um tal de José, de família melhor que a dela e que a partir de então iriam noivar. Casar era a última de suas vontades. Ao ver o noivo esse desejo intensificou-se. José era magro de ser levado pelo vento, tinha olhos azuis desbotados, cabelos ralos e a olhava como se estivesse bobo. Catarina fez greve de fala, dessa vez. Greve de olhares, também. Mesmo assim , passado um tempo em que a família achou que o noivo já aguentara muito, foram marcadas as bodas. Muda ficou Catarina, por mais algum tempo, mas percebendo que era inútil essa ausência de palavra, disse ao noivo com todas as letras, escandidas, que o achava um trouxa. Para sua surpresa, José riu muito, não se sabe se por alegria de ouvir a noiva falar ou por ser mesmo trouxa.

O fato é que se casaram. Catarina aprendeu a respeitá-lo, mas como homem nunca chegou a amá-lo. Teve muitos filhos, cuidava deles com todas as agruras do dever, mas não conseguia dar-lhes ternura, não conseguia fazer neles carinhos, algo lhe faltava para acercar-se desses seres que haviam habitado seu ventre. Era como se o amor lhe escapasse diante de tanta raiva reprimida, diante de tanta liberdade negligenciada.

Vovó me contou ainda que Catarina nunca havia ficado doente, aos 60 anos foi acometida de uma fraqueza que não sabia nomear, como se houvesse se cansado de toda a lida antiga. Dos filhos, vovó foi a escolhida para fazer-lhe companhia até que encontrassem uma solução ou até que melhorasse. Médicos não foram cogitados!

Um dia, contou-me vovó, Catarina sua mãe, chamou-a e lhe pediu um chá. Quando vovó ia se afastando para atender o pedido, ela a chamou de filha e estendeu-lhe a mão. Catarina, não chamava os filhos a não ser pelo nome e não era dada a gestos de carinho. Vovó estendeu-lhe a mão e minha bisavó a beijou. Vovó não se cabia de emoção, mas não ousou retribuir o gesto de carinho, precisava guardar aquilo para que não se esvaísse, para que não se perdesse por algo incauto e fora de hora.

Vovó foi para a cozinha, providenciou o chá com esmero como um ritual. Ao retornar para o quarto se deparou com minha bisavó a soltar os cabelos, longos e negros, as tranças se desfazendo por artes de seus dedos finos e pálidos. Catarina lhe sorriu com carinho e vovó ficou ali contemplando o milagre dessa antiga megera, que jamais havia sido domada, mas que agora conquistara a liberdade.

Mariza Ruiz

Mariza Ruiz é escritora, contoterapeuta e terapeuta floral.

É também autora do do livro Florais de Bach: da teoria à prática.

Instagram: @todaemocaoconta

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