A terapia floral no universo acadêmico

Saiba como a academia vem se adaptando às Práticas Integrativas e Complementares (PICS), no que diz respeito à pesquisa e à inclusão desse conhecimento nas formações profissionais.

Nesta entrevista, Ruth Turrini, professora livre docente da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), explica qual é a atual conjuntura das PICS no meio acadêmico – principalmente na USP –, a dificuldade em se desenvolver pesquisas – sobretudo com a terapia floral – e quantas foram realizadas até o momento.

Ruth, as PICS estão sendo inseridas nos cursos de formação de profissionais da área da saúde? E como as PICS são vistas na Universidade de São Paulo (USP), uma entidade que é referência no Brasil todo?

As PICS na USP têm sido desenvolvidas por iniciativas isoladas de alguns professores. A expansão dos cuidados paliativos em hospitais de ponta, aliada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, deram um impulso na visibilidade das PICS, que ainda avança timidamente pela carência de evidências científicas por meio de ensaios clínicos robustos. Me recordo de um fato pitoresco na minha formação de mestrado na década de 1990, quando eu desenvolvia um projeto na área de infecção hospitalar. Eu me inscrevi em uma disciplina na USP chamada “Dinâmica Populacional e Saúde” e meu orientador me disse que aquela disciplina não se coadunava com sua ementa.
E, realmente, era uma disciplina que discutia diversas práticas complementares. Foi meu primeiro contato na academia com essa temática. Mesmo em outras universidades a principal forma de abordagem das PICS é por meio de atividades de cultura e extensão a comunidade, ou por disciplinas optativas como ocorre na EEUSP. A graduação em PICS tem sido obtida nos cursos da Naturologia. A introdução a diversas técnicas de PICS é feita por meio de cursos específicos com cargas horárias variáveis, ministrados por instituições reconhecidas ou em ambiente informal por praticantes de reconhecido saber.

Muitas pesquisas e teses na área das PICs têm sido feitas?

Uma busca realizada pelo nome da prática complementar identificou no catálogo geral da USP 156 teses/dissertações produzidas desde 1927, com a primeira tese defendida na Faculdade de Medicina na área de fitoterapia. Apesar disso, até 1983 produziram-se somente quatro teses nessa temática com um avanço a partir de 2003. E até hoje somam-se 69 teses em fitoterapia, impulsionadas pela inovação e tecnologia farmacêutica.
A segunda temática mais investigada foi a acupuntura com 48 produções, sendo que a primeira data de 1999, orientada por uma enfermeira. A terceira é a massagem com 15 teses e a primeira, de 1988, também foi orientada por uma enfermeira. A partir da década de 2000, verifica-se um aumento no número de investigações também em outras práticas complementares, como meditação (6), mindfulness (3), aromaterapia (5), essências florais (3), reiki (3), toque terapêutico (2) e reflexologia (1). Ressalta-se que as três dissertações na terapia floral foram desenvolvidas na Escola de Enfermagem-USP.

Esses poucos avanços têm a ver com o quê?

Desenvolver pesquisas na área de práticas complementares é uma tarefa árdua a começar pelos referenciais teóricos interdisciplinares e outros a serem construídos no ambiente científico, aliada a dificuldade de integrá-los e compreendê-los, principalmente no âmbito das técnicas vibracionais. A medicina tradicional chinesa, com sua história milenar, ainda enfrenta dificuldades em alguns espaços.
Os estudos existentes na literatura sobre as demais práticas ainda são teóricos, muitos relatos de experiência e os poucos ensaios clínicos apresentam muitos vieses, o que gera dúvidas sobre a qualidade dos resultados obtidos. Conduzir um delineamento de pesquisa de qualidade é difícil por se desconhecer o mecanismo de ação dessas práticas sobre a fisiologia. Seu efeito é real, segundo a percepção do indivíduo, mas a percepção não tem métrica. Para estudos arrojados, é preciso financiamento. As agências se tornaram mais restritivas atrelando o financiamento a parcerias internacionais, a objetos de estudos tangíveis e as PICS não têm evidência científica robusta.

Como é em relação à terapia floral?

As investigações com terapia floral apresentam maior resistência que as demais práticas, pois o modo de obtenção é abstrato e perpassa pelos achados de pesquisa de Jacques Benveniste (1935-2004, foi um médico e imunologista francês) sobre a capacidade da água registrar e armazenar frequências ou sinais de elementos em contato com ela (memória da água). Também a descrição do efeito de cada floral se baseia na intuição e na percepção sobre o gestual da planta e sua analogia com as características psicoemocionais manifestas pelo indivíduo.
Do modo como é entendida hoje, a terapia floral é recente em relação às demais, pois data do início do século 20 com as descobertas do Dr. Edward Bach, na Inglaterra. O floral ainda é visto no ambiente científico como um placebo, ou seja, funciona por sugestão. Pesquisas com essências florais que utilizam uma fórmula única direcionada para um determinado evento em estudo, com efeitos medidos por escalas psicométricas, parecem ser capazes de mostrar melhor o efeito terapêutico das essências florais.
De certa forma, esse modo de estudar o floral faz sentido, pois o foco é aliviar um sinal ou sintoma, que para alguns poderá ser temporário e para outros mais efetivo, se a fórmula foi capaz de atingir sua causa de base.

Você tem alguma experiência pessoal com relação a isso?

Minha experiência de pesquisa com fórmulas individualizadas mostrou que o floral teve efeito semelhante ao placebo no início do tratamento, com indícios de diferença à medida que o tratamento se estendeu por mais tempo. Apesar da ausência de resposta estatística dos resultados da terapia com floral, que pode ser atribuída a escolha inadequada do instrumento de medida do efeito, os participantes relataram melhoras e o próprio terapeuta teve essa percepção no retorno dos clientes. Considerando que o floral ajuda a desvelar e compreender melhor nossas reações frente a determinadas situações e emoções, para iniciarmos um processo de mudança consciente, há de se considerar que cada indivíduo tem seu ritmo e seu tempo.

Para finalizar, você pode falar sobre o GEPICS?

O Grupo de Estudos em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (GEPICS) foi cadastrado em 1989 pela Profª. Drª. Maria Julia Paes da Silva, que pode ser considerada a pioneira na introdução da investigação nessa área na Escola de Enfermagem-USP de modo contínuo e em diversas práticas complementares. Com a sua aposentadoria, assumi em 2015 a coordenação do grupo de pesquisas em parceria com a Drª. Leonice Fumiko Sato Kurebayashi, pesquisadora na área de medicina tradicional chinesa, e responsável pelo Instituto de Terapia Integrada e Oriental (ITIO).
O GEPICS tem por objetivo desenvolver pesquisas com práticas complementares de saúde com vistas a disseminação de conhecimento e publicação, para que haja maior respaldo teórico/acadêmico aos profissionais que utilizam e desejam aplicar as técnicas complementares no ambiente de trabalho e de ensino, bem como trazer evidências científicas sobre o efeito benéfico dessas práticas, de modo a ampliar sua utilização nos serviços de atendimento em saúde. O grupo se reúne mensalmente para apresentação e discussão metodológica das investigações em desenvolvimento pelos pesquisadores, estudantes de pós-graduação e graduação que participam do GEPICS. Também desenvolve eventos de modo a disseminar o conhecimento produzido e criar um espaço para discussão com outros pesquisadores e profissionais que atuam com práticas complementares. Seus integrantes também participam de atividades de cultura e extensão, como participação no Ambulatório de Práticas Complementares na EEUSP com atendimento a alunos e funcionários.
Desde a criação do GEPICS, 20 dissertações/teses foram produzidas: sete em musicoterapia, três em terapia floral, três em aromaterapia, duas em auriculoterapia chinesa, duas em iridologia, uma em toque terapêutico, uma em massagem e uma em reiki.

Ruth Turrini é professora livre docente da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP), mestre e Doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP e especialista em essências vibracionais pela EEUSP. Coordena o Programa de Pós-graduação de Enfermagem na Saúde do Adulto e o Grupo de Estudos em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (GEPICS). Desenvolve também atividades de ensino, pesquisa e extensão. Na área de pesquisa, trabalha com investigações na área de práticas complementares e enfermagem perioperatória.

E-mail: piccomplementares@gmail.com

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