Martha Medeiros explica por que a grama do vizinho não é mais verde

Neste bate-papo, a escritora fala sobre a valorização da própria vida e a importância das relações verdadeiras

Quem a escuta falar ou lê os seus textos, rapidamente cria uma empatia com ela. Além da espontaneidade e carisma, talvez, um dos motivos principais seja por ter o dom de falar da vida e das relações humanas de uma forma tão isenta de fantasias que se revela sendo gente como a gente. E é justamente sobre esse assunto que a escritora Martha Medeiros fala nesta entrevista inspirada na sua crônica A Grama do Vizinho (veja no final da entrevista).

A escritora de sucesso desmistifica esse glamour e essa vida inventada pelas redes sociais em que todos parecem muito felizes com suas vidas animadas e superinteressantes. A escritora é também colunista dos jornais Zero Hora (RS) e O Globo (RJ), tem 26 livros publicados, entre poemas, crônicas e ficção. Em abril deste ano lançou a coletânea de crônicas Quem Diria que Viver Ia Dar Nisso (editora L&PM), que está na lista dos mais vendidos do país. Aproveitem!

Em A Grama do Vizinho você fala da tendência que temos em achar que a vida do outro é mais interessante do que a nossa. Como você entende o fato de fazemos isso?

Temos a mania de avaliar nossa vida comparando-a com a dos demais, o que nunca dá bom resultado. Só enxergamos as aparências e não a essência da vida dos outros. Suas angústias, medos, fracassos, tudo isso fica escondido dentro de quatro paredes, e não expostos no jardim. Já ao olhar para nossa própria vida, enxergamos tudo, o jardim e a casa inteira, com tudo o que acontece de complicado dentro dela. Por isso achamos que os outros estão em situação melhor.

Quais são os riscos que corremos, os malefícios que acumulamos ao ficarmos muito envolvidos com essa insatisfação incessante com a nossa vida?

O ideal seria ir além das aparências e conhecer melhor as pessoas que nos cercam. Fazer mais amigos de verdade, e não só nas redes sociais. E também participar de ações sociais, chegar mais perto das carências alheias, para gerar empatia e entender o quanto fomos beneficiados pela vida. A vitimização tem um falso glamour, a sociedade tende a achar que a pessoa que sofre é mais profunda, e isso é uma armadilha.

Todos nós temos uma vida bacana recheada de problemas, simples assim. Alguns têm problemas mais intensos do que outros, mas, generalizando, todos nós recebemos coisas boas e coisas ruins no mesmo pacote. A gente precisa educar nosso pensamento para não enxergar apenas o que temos de ruim. Nada nos isola mais do que levantar um pedestal para nossa dor.

 O que podemos fazer para não cair nessa “pegadinha”, ou seja, em vez de desvalorizarmos nossa existência, aprendermos a honrá-la?

Quanto mais materialista a gente é, mais abre espaço para a inveja e a sensação de incompletude. Então, investir na espiritualidade ajuda muito, assim como em práticas de autoconhecimento (alguma religião, astrologia, yôga, terapia, …). Deveríamos dedicar mais tempo ao que existe de melhor em nossa vida. São os amigos? O trabalho? Um esporte? Leituras? Convívio familiar? Então que a gente intensifique isso. Não é fácil gerenciar nosso tempo, havendo tantas demandas diárias, mas acho que merecemos tratar bem de nós mesmos, nos autoconcedendo longos momentos de prazer e relaxamento fazendo aquilo que mais gostamos.

Na crônica A Grama do Vizinho, você diz que já vivenciou essa sensação de a “grama do vizinho é mais verde”. Como foi essa fase e como você superou isso?

Essa crônica foi escrita há muitos anos e não foi inspirada por nada específico, apenas cito que esse tipo de comparação inicia na adolescência, época em que temos muitas inseguranças. Mas todos nós, em qualquer fase da vida, passamos por isso de vez em quando, ainda mais hoje em dia, em que somos bombardeados por postagens exuberantes nas redes sociais: fotos de casais apaixonados, viagens incríveis, frases inteligentíssimas.

Se o seu casamento estiver uma pasmaceira, se você estiver sem grana para o lazer, se os dias se repetem sem novidade, é natural se sentir meio por baixo. Só que é preciso ficar ligado: o pessoal do Facebook e do Instagram também têm os perrengues deles. Você pode não estar vivendo a melhor fase da sua vida, mas certamente há aspectos dela que são satisfatórios. É preciso ter um olhar generoso para nós mesmos, pois se formos nossos piores críticos, acabaremos sabotando nossa felicidade.

Muito provavelmente, as pessoas tendem a te ver como uma pessoa isenta de sofrimento visto que você faz muito sucesso profissional trabalhando com o que gosta. Você pode falar um pouco sobre esse assunto?

Pessoas públicas passam essa falsa impressão, pois estão sempre em evidência em momentos festivos e são sempre chamadas a opinar sobre tudo, dando a entender que possuem uma sabedoria peculiar. Mas todas têm problemas, como não teriam? Eu logicamente não sou isenta de sofrimento – se fosse, não haveria matéria-prima para exercer meu ofício. Viver é muito complexo. A gente cresce através da dor, do erro, dos questionamentos. Eu me atrapalho como todo mundo, choro, faço besteira, me arrependo. Ainda bem, ou estaria presa a uma ilha da fantasia, sem contato com os dilemas humanos que identificam a todos.

Hoje em dia muito se fala do “poder da gratidão” como sendo um meio de acalmar os incontáveis pedidos egoicos que faz parecer que a felicidade está sempre ali, numa viagem, num casamento, num determinado tipo de corpo… Você pratica a gratidão ou qualquer outra “sabedoria de vida” que te ajuda a se sentir mais plena e grata com o que você já tem?

Tenho uma vida muito abençoada, a despeito dos meus problemas, então, claro, sou muito grata, mas não grata à sorte, e sim à minha capacidade de entender que as coisas não caem do céu, que elas devem ser conquistadas, mantidas, regadas diariamente. Sou grata pela minha liberdade de escolha – todos temos essa liberdade, mas muitos não a usam, preferem entregar suas vidas para o destino. Só que é preciso dar uma mãozinha para o destino, do contrário ficaremos olhando pra vida dos outros e nos iludindo. O lugar para onde eu mais gosto de olhar é para dentro de mim, a fim de buscar meus reais anseios e atendê-los dentro do possível. E quase sempre é possível.

Créditos Foto: Carin Mandelli

Martha Medeiros, escritora e colunista, tem 26 livros publicados. Seus maiores sucessos são os livros Divã, Doidas e Santas, Feliz por NadaFora de Mim e Tudo que eu queria te dizer, todos já adaptados para o teatro. Em abril último lançou Quem Diria que Viver Ia Dar Nisso (editora L&PM). Martha também tem parcerias musicais com Frejat, Nenhum de Nós e Jota Quest e é também colunista dos jornais O Globo (RJ) e Zero Hora (RS).

Contato:

Instagram: @realmarthamedeiros

Fanpage: www.facebook.com/marthamattosmedeiros

A Grama do Vizinho (por Martha Medeiros)

Há no ar certo queixume sem razões muito claras.

Converso com mulheres que estão entre os 40 e 50 anos, todas com profissão, marido, filhos, saúde, e ainda assim elas trazem dentro delas um não-sei-o-quê perturbador, algo que as incomoda, mesmo estando tudo bem.

De onde vem isso? Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão, o poeta Antonio Cícero, uma música que dizia:

“Eu espero/ acontecimentos/ só que quando anoitece/ é festa no outro apartamento”.

Passei minha adolescência com esta sensação: a de que algo muito animado estava acontecendo em algum lugar para o qual eu não tinha convite. É uma das características da juventude: considerar-se deslocado e impedido de ser feliz como os outros são, ou aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar de ficar tão ligada na grama do vizinho.

As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação, que é infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias. Os notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas, então fica parecendo que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando na verdade a festa lá fora não está tão animada assim. Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente.

Só que os motivos pra se refugiar no escuro raramente são divulgados.

Pra consumo externo, todos são belos, sexys, lúcidos, íntegros, ricos, sedutores.

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada/ todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”.

Fernando Pessoa também já se sentiu abafado pela perfeição alheia, e olha que na época em que ele escreveu estes versos não havia esta overdose de revistas que há hoje, vendendo um mundo de faz-de-conta. Nesta era de exaltação de celebridades – reais e inventadas – fica difícil mesmo achar que a vida da gente tem graça. Mas, tem. Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias, desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa biografia.

Ou será que é tão divertido passar dois dias na Ilha de Caras fotografando junto a todos os produtos dos patrocinadores? Compensa passar a vida comendo alface para ter o corpo que a profissão de modelo exige? Será tão gratificante ter um paparazzo na sua cola cada vez que você sai de casa? Estarão mesmo todos realizando um milhão de coisas interessantes enquanto só você está sentada no sofá pintando as unhas do pé? Favor não confundir uma vida sensacional com uma vida sensacionalista.

As melhores festas acontecem dentro do nosso próprio apartamento.

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