Assumir a própria vida. O que é isso?

Segundo a visão da Cabala, Rabino explica a importância de se ter responsabilidade sobre a própria vida

Rabino Dudu tem 35 anos. Quem fica perto dele é fisgado pela sua excelente disposição, sabedoria e pela sua fala. Parece mesmo ter nascido com o dom da oratória e é justamente com esse dom que tem feito muito sucesso no Youtube. Lá é possível assistir suas aulas sobre temas diversos que contemplam o viver, segundo a visão da Cabala.

“A Cabala é a alma do judaísmo. Não é algo independente do judaísmo, ela é a parte mística e esotérica do judaísmo, o que tem por trás dos mandamentos”, explica ele, que nasceu e mora em São Paulo.

Nesta entrevista, o rabino fala sobre o que significa assumir a própria vida, o quanto isso implica no reconhecimento do nosso lado humano e divino e suportar o atrito que isso nos traz. Fala também sobre o viver raso e o profundo, aquele em que se coloca sentido nas mais simples tarefas do dia a dia. Rabino Dudu também trabalha num centro de juventude judaica, o Espaço K, na capital paulista, um clube fechado para a comunidade judaica, onde as aulas são feitas e depois postadas no Youtube.

“Penso em abrir mais, virtualmente ou fisicamente, ainda não sei, para começar a dar aulas para pessoas fora da comunidade judaica também.”

Para você, o que significa assumir a própria vida?

No judaísmo, principalmente na cabala, essa é uma questão muito importante. Por que? Porque algumas pessoas pensam que ter fé em Deus ou acreditar em Deus significa deixar tudo nas mãos Dele e tudo vai dar certo. E a cabala tem uma visão muito diferente em relação a isso e até um pouco contraditória. Diz que fé em Deus não significa não ter responsabilidade pela sua vida, justo pelo contrário. Quanto mais fé você tem Nele mais você percebe o quanto a sua vida está nas suas mãos.

Em outras palavras, como resolver o dilema: por um lado acreditamos em Deus, essa força infinita que conduz o Universo, mas, por outro lado, nós temos o livre-arbítrio. Às vezes, isso entra em contradição. A maneira judaica e cabalística de você responder a esse dilema é perceber que, no fundo, eles não são contraditórios.

E como isso se dá?

As pessoas tendem a pensar: ou está nas minhas mãos ou está nas mãos Dele. Se eu deixo nas mãos de Deus, eu tenho muita fé, então eu estou tirando o poder das minhas mãos. Por que a cabala fala que é diferente? Porque Deus está dentro de nós. Deus não está fora. A cabala acredita muito que a nossa alma é divina, então, temos Deus dentro de nós. Quanto mais você revela essa sua parte divina, naturalmente, mais controle você tem sobre a sua vida. Mas não é um controle ditador, forçado. Esse controle realmente você não tem sobre a sua vida. É justo o contrário.

Quando você consegue sentir o fluído da sua vida e as energias que estão na sua volta, as suas decisões começam a ser de acordo com esse fluído. Então, ao mesmo tempo que é você quem está decidindo, ao mesmo tempo, é o Universo, essa força do infinito, quem está decidindo por. É por isso que eu diria que, a sinergia que tem entre você e Deus na tomada de decisões é a forma mais harmoniosa que a pessoa teria para viver a sua vida.

Como é possível desenvolver essa postura?

Eu muito importante dentro desse processo de assumir a própria vida que tenhamos uma noção completa dos nossos dois lados: o nosso lado divino e o nosso lado humano, que é mais instintivo. Uma pessoa que simplesmente foca na sua parte espiritual, elevada e iluminada, acaba se enganando e pode acabar vivendo uma ilusão espiritual. Eu acho que muita gente que acaba buscando caminhos espirituais acaba se iludindo porque acha que se tornou um anjo divino, alguém que na verdade ela não é. Porque nós temos um lado que é egoísta, terreno, politicamente incorreto. Esse lado é tão importante quanto o outro. Na linguagem da cabala, a gente chama de alma divina e alma animal.

Por que ambos os lados são importantes?

Fazer uma harmonia entre as duas é fundamental. Em palavras práticas, eu diria o seguinte: você se conhecer, conhecer a sua natureza, as suas características positivas e negativas e trabalhar em cima delas é fundamental. Eu preciso sentir que existe um amor de Deus por mim, Ele me criou porque ele queria que eu estivesse existindo agora. Então, você descobrir a sua missão, digamos assim, você descobrir qual seria a sua importância única na vida, é fundamental para você conseguir assumir as rédeas da sua vida. Como você vai assumir as rédeas da sua vida se você acha que você é só mais um aqui na Terra? Você não é mais um. Inclusive, tem uma frase no Talmud, que diz que cada pessoa tem que se falar todo dia: Para mim, o Universo foi criado.

Nossa, que bonito!

Ou seja, o Universo foi criado para mim! Eu costumo dizer nas minhas aulas que existe um egoísmo positivo. A gente tem que parar de olhar para o ego como algo a ser destruído, ser anulado. Num primeiro momento, sim, a gente precisa controlar esse ego para ele não ser destrutivo. Mas, num segundo momento, nós precisamos aprender e canalizar o ego. O ego nada mais é do que esse sentimento de que você é parte do todo e como parte do todo, cada um tem uma importância infinita. Então, você precisa descobrir que ‘sim, para mim o Universo foi criado’.

É por isso que você disse que é importante encontrarmos uma harmonia entre o nosso lado animal e divino?

Sim. Uma pessoa, por exemplo, tem um dom fantástico. Ela percebe que para exercer esse dom no máximo da sua capacidade, terá sempre um desafio. É até engraçado, às vezes, alguém diz: ´Meu, mas ele tem tanto potencial, ele podia…´ Sim, mas você não sabe do yetser hara, como a gente diz em hebraico. Quer dizer, você não sabe do instinto destrutivo que essa pessoa tem justamente por ela saber que tem um dom tão bom nessa área.

Nós temos o nosso lado destrutivo que tenta atrapalhar, digamos assim. Nós temos esse lado. A nossa missão na vida está sempre relacionada a algo que envolve o nosso dom especial e um prazer, mas que, ao mesmo tempo, envolve uma dificuldade em exercer o máximo desse potencial por alguma coisa externa.

Como assim?

Difícil no sentido de esforçado. Eu diria que tem de ser uma mistura dos dois, algo que exija muito esforço, mas, que ao mesmo tempo, te dê muito prazer. ‘Eu quero vencer essa obsessão, eu quero vencer esse vício. Mas por que eu quero vencer isso? Porque eu sei que eu tenho um potencial incrível de iluminar o mundo de alguma forma e eu só vou conseguir vencer isso vencendo esses desafios’. Então, vira um incentivo. Não é só vencer a luta pela luta, mas porque você tem uma missão, uma luz muito forte dentro de você que precisa ser liberada justamente através isso.

Você poderia dar outros exemplos desses impulsos destrutivos?

Os impulsos destrutivos são tão variados quanto o número de pessoas e em cada um, pode aparecer de formas diferentes, como preguiça, depressão, tentações materiais, irritação, nervosismo, em outro pode aparecer em forma de futilidades, a pessoa passa a vida de forma muito vazia. Mas todas essas forças destrutivas são originadas do mesmo ponto, de um ponto central, que é o ego destrutivo. Como eu disse antes, tem um ego positivo que pode ser canalizado para o bom e tem o ego destrutivo. O que é o ego destrutivo?

Todos esses comportamentos que eu falei, eles se originam da pessoa se sentir separada, isolada de todo o resto. Por isso a gente não precisa ficar lutando contra cada uma dessas agonias e sofrimentos. É só botar luz que a escuridão vai embora. É por isso que, se você começa a revelar a sua alma, que é infinita, ela não tem instinto de sobrevivência porque ela vai existir para sempre. Consequentemente, ela não é egoísta, consequentemente, ela é pura luz. Quanto mais você revela essa luz, porque ela está dentro de você, você não precisa trazer ela de nenhum outro lugar, naturalmente esses medos, agonias, sofrimentos, obsessões, começam a ir embora porque eles são preenchidos.

Qual é a melhor forma de se revelar o nosso lado divino?

São nas pequenas decisões do dia a dia. Não é algo que está muito longe da gente. É a gente perceber que existem coisas que ao mesmo tempo estão relacionadas ao prazer e à dificuldade. Então, no começo, o esforço pode ser pesado, mas é interessante perceber que esforço e prazer estão muito ligados. Então, como revelar essa alma? Eu acho que é tendo consciência disso o máximo que a gente consegue, ou seja, o máximo que você consegue perceber que VOCÊ É IMPORTANTE, se Deus quer que você esteja aqui e agora, você é muito importante no plano Dele, você é superimportante e, consequentemente, você é super-responsável por essas decisões.

Você pode dar alguns exemplos do que é viver essa vida interior e o que é viver na superficialidade?

Uma pessoa pode ir para a academia simplesmente para ficar bombado, forte, o que ele está fazendo? Ele está olhando para o corpo dele como se fosse algo separado dele mesmo. Ele tá olhando para as pessoas que vão olhar o corpo dele como pessoas separadas deles. Isso é olhar as coisas de uma forma separada uma da outra e não de uma forma holística. Então, não é o que você faz, mas como você faz.

Agora, por exemplo, se eu acordo de manhã e vou fazer esportes, porque eu sei que quando eu faço esportes eu fico mais disposto e mesmo que eu vá fazer uma luta marcial, muay thai, por exemplo, eu não vou fazer para dar porrada em alguém. Eu vou fazer com a sensação de que quando eu estou lá dando soco no boneco eu tô dando soco no meu lado destrutivo. É a intenção com que você faz, é a vibe com que você faz. E aí você percebe que esse momento se linka com o próximo momento, por exemplo, aí eu fico mais disposto.

Rabino Dudu é hoje referência em propagar, no Youtube, as sabedorias da Cabala. De forma descontraída, ele fala de assuntos diversos, como amor, dinheiro e sonhos, e ganha cada vez mais adeptos das suas aulas. Ele desenvolve também um trabalho no Espaço K, em São Paulo, um centro de juventude judaica, onde as aulas são realizadas e, depois, divulgadas no Youtube.

CONTATO: página do rabino Dudu no youtube https://www.youtube.com/channel/UCxEPzFCnrFa_Uuopr4xFFtw

 

 

 

 

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