Uma vida dedicada à cura com base na Antroposofia

Precursora da Medicina Antroposófica no Brasil, a Dra. Gudrun Burkhard compartilha sua visão sobre a existência, o envelhecimento e as realizações do Ser

Em 14 de dezembro, a Dra. Gudrun Burkhard, filha de pais alemães, nascida em São Paulo, médica formada pela USP, completará 90 anos. Como forma de honrar as muitas possibilidades de realização de uma vida, a precursora da Medicina Antroposófica no Brasil lançou em 2019 o livro A Vida Após os 80 Anos (Editora Antroposófica).

Para compor esta obra, ela recolheu mais de 100 entrevistas com homens e mulheres entre os 80 e os 108 anos. Uma coletânea de histórias, realizações, desafios e dificuldades de pessoas avançadas no tempo, provenientes de diferentes âmbitos sociais, culturais e profissionais. A curiosidade central dessa investigação foi compreender como os idosos se situam entre as antigas tradições e as novas e inusitadas experiências da realidade moderna.

Desde os anos 1970, a grande paixão da Dra. Gudrun tem sido a biografia humana, área terapêutica ligada à Antroposofia, na qual se tornou expoente. Em suas vivências clínicas, ela observava que, quando o médico desprezava os aspectos biográficos de seus pacientes, após melhora do quadro, o risco de uma recaída persistia. Sentiu, então, que deveria ir mais fundo nesse assunto.

Caminhar com consciência

No bestseller Tomar a Vida nas Próprias Mãos (Editora Antroposófica), ela esmiúça o método do aconselhamento biográfico para que cada um de nós possa rever a própria trajetória com olhos mais aguçados e, a partir desse olhar renovado, redesenhar o futuro.

“Nossa biografia é tal qual um rio que pode fazer vários percursos, escolhendo o terreno por onde poderá melhor fluir. Aos poucos, vamos percebendo sermos nós que vamos construindo nosso próprio destino”, ela escreve.

Desde 1997, reside em Florianópolis, de onde concedeu a entrevista a seguir, por e-mail. Na Ilha da Magia, como a capital catarinense é carinhosamente conhecida, ela se dedica a atividades ligadas à sua experiência como médica, terapeuta e escritora, além de se cercar da natureza, outra paixão.

Ouçamos o que esta mulher, até hoje fiel ao seu profundo caminho interior, tem a nos ensinar.

O que nos impede de olhar com amor para a nossa própria história?

O desconhecimento da própria biografia, olhando somente as coisas negativas sem enxergar as positivas. Com o trabalho biográfico, a pessoa tem uma visão geral da biografia e não só dos aspectos negativos, como são mais explorados na psicanálise. Esse resgate é importante para que ela conheça a si mesma.

Até que ponto podemos “tomar a vida nas próprias mãos” e até que ponto temos que entregá-la ao Mistério Maior?

Se você chama de Mistério Maior o destino, você pode pegar o destino nas mãos. É a época do livre arbítrio, a escolha por um ou outro caminho, e as crises da vida, que fazem parte desse destino, lhe darão um alerta de que você não estará no caminho certo.

Quais são os sinais de que estamos trilhando o caminho certo?

Um dos sinais de perceber o caminho certo é quando você encontra sincronicidades que confirmam o seu caminho, como respostas positivas. E quando tudo dá errado, é para reavaliar se você está no caminho certo. Quando acontecem muitos empecilhos, é preciso abrir outras portas.

Por que a missão de vida se revela precocemente para algumas pessoas e para outras é um enigma difícil de se decifrar? O que contribui para se ter clareza a esse respeito?

É questão da presença da individualidade no seu corpo. Estar inteira no presente do dia a dia, olhar para o seu passado, ver os passos do presente e enxergar suas metas de futuro.

A depressão é um dos sintomas do nosso tempo. Por que tantas pessoas estão perdendo a vontade de olhar para o futuro e viver o hoje plenamente?

Toda a nossa civilização atual contribui para isso, principalmente os meios virtuais que aceleram tudo, além da perda de relacionamentos verdadeiros, que vão criando um vazio cada vez maior da alma, anulando a parte criativa em nós.

O que mais a encantou nas histórias reunidas no livro A Vida Após os 80 Anos?

O mais encantador é que cada um tem a sua história, muito diferentes umas das outras. A individualidade se manifesta, inclusive, nestas fases mais adiantadas da vida.

Como a Antroposofia compreende o estágio tardio da vida?

Como fases de amadurecimento, de sabedoria, de contribuições diferentes para a humanidade em comparação às realizações de um jovem.

Numa sociedade que cultua a juventude, como a brasileira, o que a sra. diria àqueles que temem o envelhecer?

Todos nós tememos o envelhecimento por ser o elemento desconhecido, e só passando por ele é que a gente percebe os seus lados positivos e negativos. O lado positivo é quando você percebe a sabedoria da pessoa. Mesmo idosa, irradia luz, tem paciência, tolerância, tornou-se abnegada ao invés de egoísta. Possui alegria de viver. Tem admiração pelos netos e pela natureza, tem satisfação interior. Continua o seu desenvolvimento espiritual. O lado negativo é quando se torna mais ranzinza, impaciente, intolerante com os outros. Acontece uma involução das funções cerebrais. A insatisfação é cada vez maior.

A sra. completará 90 anos em breve. Como se sente em relação ao que viveu e ao que ainda deseja viver?

Eu me sinto realizada na vida e considero que cumpri a minha missão aqui na Terra. Sinto que estou preparada para encarar o futuro, mesmo que seja difícil enfrentar o declínio corpóreo.

Segundo Rudolf Steiner, o que vivemos nesta existência será elaborado no pós-morte e influenciará a encarnação seguinte. Somos seres em perpétuo movimento?

Diria que somos seres em contínua transformação.

Linha do tempo

1929 – Nascimento na cidade de São Paulo.

1946– Inicia o curso de Medicina na Universidade de São Paulo (USP).

1956 – Torna-se médica escolar na Escola Higienópolis (atualmente, Escola Waldorf Rudolf Steiner), primeira escola Waldorf do Brasil. Vai estudar Medicina Antroposófica na Suíça.

1957 – Monta no banheiro de sua casa um grande depósito de medicamentos Weleda. Assim nasceu o impulso para se criar a Weleda do Brasil.

1962 – Estuda na Europa as complementações da Medicina Antroposófica: terapia artística, massagem rítmica e euritmia curativa.

1969 – Inaugura a Clínica Tobias, ao lado do marido Pedro Schmidt. A primeira clínica antroposófica fora do continente europeu.

 1975 – Iniciam-se os cursos de Medicina Antroposófica na Clínica Tobias.

1977 – Decide fazer parte do Círculo de Rafael, que se encontra anualmente em Arlesheim, Suíça, na Ita Wegman Klinik. Ao se integrar a esse Círculo, assume o impulso de apoiar decisivamente a tarefa de Rudolf Steiner e Ita Wegman por uma espiritualização da medicina e de todos os impulsos terapêuticos.

1981 – Junto com seu segundo marido, Daniel Burkhard, inaugura o Centro Paulus, centro de Formação Antroposófica, em Parelheiros, São Paulo. E funda a Associação Brasileira de Medicina Antroposófica, da qual foi presidente por 7 anos.

1983 – Funda a Artemísia, Centro de Desenvolvimento Humano, voltado principalmente para o trabalho biográfico e programas de revitalização e desintoxicação.

1988 – Passa a ministrar formação de aconselhamento biográfico na Europa, duas vezes por ano.

1993 – Ajuda a fundar a Associação Internacional para o Trabalho Biográfico. Neste mesmo ano, inicia a formação em aconselhamento biográfico no Brasil.

1997 – Desde então, mora em Florianópolis, Santa Catarina.

 2001 – Participa da criação da Clínica Vialis e da Associação Sagres, em Florianópolis, onde impulsionou o curso de formação em Terapia Artística Antroposófica e, posteriormente, uma série de outros cursos.

2019 – Atualmente, a Associação Sagres é um centro de formações antroposóficas que se tornou referência no sul do Brasil.

Contato

 Associação Sagres

(48) 99694-5785

www.asssagres.org.br

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