Você sabe descansar?
Neste mundo obcecado pela produtividade, a mente e o corpo relutam em relaxar e desfrutar do descanso, isto é, quando conseguimos uma folguinha na agenda. Como dissolver essa resistência? A terapeuta corporal Nara Vieira nos ajuda a fazer as pazes com o ócio.
No livro Sociedade do Cansaço, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han nos faz um alerta. Viver na hiperatividade, obcecados por metas e resultados, pulverizando nossa energia em múltiplas tarefas, está nos adoecendo. Mas como encontrar um lugar para o descanso se o que é valorizado é justamente o oposto, a ação ininterrupta? Por isso, o pensador defende: “Precisamos de um tempo próprio que o sistema produtivo não nos deixa ter”.
Para reencontrarmos esse tempo largo, folgado, livre de cobranças por desempenho, o “dolce far niente” dos italianos – a doçura de fazer nada, ou pelo menos, de fazer algo pelo bel prazer de se entregar àquela atividade -, podemos começar por nos permitirmos o fruir das coisas, as mais miúdas, ao alcance de todos nós, como sugere a terapeuta corporal Nara Vieira. Nesta conversa, ela nos estimula a ofertarmos “recreios ao corpo” e banhos de contemplação à alma. Ouvi-la é tão bom que dá vontade de agora mesmo abrirmos janelas na agenda para melhor ventilarmos nossas vidas.
Parece que na sociedade do desempenho as pessoas desaprenderam a descansar. Pior: lê-se nas entrelinhas que o descanso é para os fracos e acomodados. Como você analisa esse cenário?
Uma armadilha que nossa sociedade foi tecendo para ela mesma. Exatamente por estarmos caóticos, o momento é desafiador, ansiando soluções que reequilibrem a saúde planetária a despeito de uma cultura equivocada, descompromissada com a qualidade de vida, que gera distúrbios que adoecem indivíduos e relações humanas.
Quais os riscos em que nos colocamos quando embarcamos nessa?
Riscos altos por acelerar desgastes na unidade integrada que é o corpo, por desrespeitar os ciclos naturais orgânicos e colocar a nossa saúde a favor de um modelo totalmente insano.
Você pode falar um pouco sobre a importância do descanso tanto para o corpo quanto para a alma?
Cansar e descansar são duetos e não duelos. Descansar apazigua e reabastece os tecidos que nos compõem material e espiritualmente. Uma necessidade básica para a restauração do equilíbrio interno. Neste quesito da saúde não há negociação, ou você descansa ou os danos se somam ao longo da vida.
Descansar tem a ver com respeito, ou seja, respeitar nossos limites e necessidades, das mais singelas às mais profundas? Mas, para tanto, precisamos estar presentes em nossos corpos, em nossas vidas?
Sim! Estamos imersos numa cultura que desconectou e, consequentemente, desrespeita a nossa psicobiologia. Precisamos praticar uma distância terapêutica de tantas distorções e nos reconectar com a nossa fonte divina. Se receptivos e abertos, uma respiração profunda já nos leva para o momento presente e nos transporta para a consciência maior. Esta técnica de observar a respiração é o princípio de atenção e de concentração, um capturar-se a si mesmo e conter impulsividades tolas.
Muitas pessoas, quando tiram alguns dias de folga, não conseguem relaxar verdadeiramente, pois estão condicionadas a cumprir tarefas. Então, o que deveria ser um impulso instintivo se torna uma impossibilidade. Como chegamos a isso?
A evolução da nossa espécie se encontra neste estágio da humanidade. Há muitas conquistas maravilhosas e atrasos incalculáveis por um custo muito alto. Não conseguir relaxar é fixar um estado psicomportamental que nos escraviza a favor deste incontrolável trabalhador. Simbolicamente nos tornamos o Atlas que carrega o mundo nas costas. Não conseguimos trocar as chaves vitais. Veja a ironia, quando somos vencidos pelo cansaço extremo, é comum adoecermos nas férias, nas folgas. Para relaxar temos que adoecer (pensei na pandemia…adoecer para parar).
Para se resgatar o desfrute do ócio e a capacidade de se revitalizar é preciso começar por onde?
Acredito que para começar seja aceitar, humildemente, a importância da fruição, mesmo que haja uma voz insistente dizendo que não. Começar pelo próprio ócio. Um ociozinho básico onde nos permitimos ao nada, ao silêncio, à contemplação de nossos próprios pensamentos, à percepção do nosso corpo, à uma paisagem sonora ou fazer algo que não exija desempenho, menos ainda, resultados. Discriminar-se do ambiente. Criar intimidade com o meu Eu Sou e com o meu Eu estou. Estamos dentro de uma esfera que nos rodeia. Uma kinesfera, um círculo que compõe nosso espaço vital. Autoconhecimento, autorrespeito, autocuidado dependem de um investimento diário. Uma meditação diária, uma disciplina prazerosa que pode ser um passo de cada vez, em qualquer atividade que se esteja fazendo.
Meditar é um recurso acessível a qualquer pessoa. Veja como, clique aqui.
Os Florais de Bach também podem colaborar para isso?
Amo e reverencio a terapia floral, criada pelo médico inglês Edward Bach. Ser humano incomparável que nos presenteou com a profundidade e delicadeza de seu sistema terapêutico, comprovado em si mesmo e em inúmeros adeptos, reconhecido pela OMS. Terapia energética que capta nossa alma em dificuldades e oferece substâncias curativas para sutilmente encaminhá-la a um novo estado de ânimo. E para eficaz administração é preciso conhecer os motivos-crenças que nos levam aos desajustes entre alma e corpo físico.
Uma amiga costuma dizer que ela necessita de espaços livres na agenda para a contemplação, para não fazer nada, simplesmente olhar pela janela, ou seja, de um tempo que não seja produtivo no sentido capitalista do termo. Fico pensando como fazer isso sem sentir culpa…
O caminho do “cura-te a ti mesmo” é uma vida toda. Oxalá tivéssemos esta educação desde o início. Consciência de si e do que nos rodeia dificulta sermos tratados como marionetes escravizadas pelos donos do controle. Uma boa dose do “eu me amo, eu me massageio, eu me embalo e respeito minhas necessidades”. Nutrida por mim mesma e pelas escolhas mais adequadas a minha singularidade, me sinto pronta para as tarefas exigidas na ambiência pessoal e profissional.
Kaká Werá alerta para o fato de que não estamos conseguindo dormir, quanto mais sonhar. E que a falta do sono profundo, povoado por sonhos, nos prejudica enormemente. Você concorda? Para se dormir bem é necessário…?
Assim como a sabedoria ancestral que Kaká Werá nos disponibiliza, o neurocientista Sidarta Ribeiro esmiúça a importância do sono e dos sonhos. Os dois olhares são complementares e precisamos ouvi-los com a máxima atenção. São brasileiros que conhecem nossos sofrimentos e dádivas, propondo-nos saídas esperançosas e possíveis, se nos dispusermos a construir uma reeducação para dormimos melhor. Como sabemos, o abuso de telas é hoje a droga mais viciante. Higienizar a mente é ofertar recreios ao corpo, intervalos saudáveis. Há infindáveis conhecimentos e técnicas para dormir e não só dormir, como para descansar verdadeiramente. Uma sesta depois do almoço, um trabalho de consciência corporal, uma conversa-basta nos macaquinhos do sótão-mente, um condutor astuto do carro desenfreado, todos os alimentos, chás, aromas e terapias com as quais nos identificamos, um arsenal está a nossa disposição. Para no final, entregar a si mesmo e ao mundo oculto, sábio, intuitivo, pré-cognitivo dos sonhos. Misterioso, nem tanto, é o mundo que nos compõe. Se dermos uma espiada com mais interesse, ele nos soprará os passos mágicos da travessia. É pelos sonhos que vamos! Como nos privar deles?
Quais sinais costumam te dizer que está na hora de descansar? E como você se restaura?
Acho que já conquistei um estilo de vida no qual, fazendo pequenas pausas durante o dia, ou equilibrando a agenda, ora mais intensa, ora mais tranquila, vou me organizando energeticamente. Nos períodos de muita demanda física e emocional – quem não as tem? – percebo sintomas como impaciência, aumento de irritabilidade, pernas cansadas, ombros pesados, sono insuficiente, sensibilidade à flor da pele. Mesmo com tantas práticas de prevenção, peço socorro, preciso de mais ajuda. Bem-estar é considerar uma equipe de saúde atuando em sua vida. Rodeio-me de bons profissionais de medicinas integrativas. Como sou cinestésica, gregária, recupero-me caminhando, dançando, tomando banho de floresta, cantando no violão, conversas de alma com amigos, namorando. Aprecio muito a companhia de livros. Sou dependente química do silêncio. Isolo-me para poder vincular.
Gostou desta conversa? Então, saiba como ter uma rotina mais amena e relaxante.
Nara Vieira
Terapeuta Corporal e Professora de Dança. Educadora Física com Especialização em Dança-Educação e Mestre em Ciências da Motricidade Humana (UNESP – Rio Claro).
Reeducadora do Movimento (Instituto Ivaldo Bertazzo – São Paulo) com formação no Método de Fisioterapia Cadeias Musculares e Articulares (França e Bélgica).
Terapeuta Floral (Instituto Bach – Campinas, SP) e Focalizadora de Danças Circulares Sagradas.
Atende em consultório particular – individual e em grupo; virtual e presencial.
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Instagram: @nara.vieira.9